Livro de professor da Unitau é entregue como presente ao Papa Francisco

Era para ser um sábado comum, mas o volume, fora do normal, de mensagens e ligações no telefone do Prof. Dr. Ademir Pereira dos Santos anunciava que algo especial tinha acontecido. Durante uma audiência privada com o Papa Francisco, a ex-presidente do Brasil e atual presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), o banco do Brics, Dilma Rousseff, presenteou o pontífice com o livro “Theodoro Sampaio - Nos sertões e nas cidades”. 

Não demorou para que os colegas e amigos do autor da obra, que também é pesquisador e docente da Universidade de Taubaté (Unitau), identificassem o livro, publicado em 2010, e com a informação circulando na mídia nacional, logo a repercussão chegasse também ao professor dos cursos de Arquitetura e Urbanismo e dos programas de mestrado em Desenvolvimento Regional.

“Meu celular não parava de tocar. Quando vi o vídeo pela primeira vez, pensei que era algo do passado, mas os amigos insistiram, falando que aquilo tinha acontecido há poucas horas, e já estava repercutindo no Brasil todo. Foi incrível. É uma curiosidade minha saber como a ex-presidente escolheu, entre tantas coisas produzidas no Brasil, o nosso livro para presentear o papa”, comenta o professor.

Mas, afinal, que livro é esse e quem foi Theodoro Sampaio? 

Theodoro Sampaio era negro, filho de escrava e formou-se engenheiro ainda sob a escravatura. Multitalentos, também foi geógrafo, escritor e historiador brasileiro, desempenhando um papel importante na transição do Império para a constituição da República. 

Trabalhou na melhoria dos portos, primeiro de Santos, e na navegabilidade do rio São Francisco. Em São Paulo, percorreu o rio Itapetininga e o Paranapanema, até então não conhecido, descendo até a foz, no Rio Paraná. Na expedição, identificou vários saltos e cachoeiras, que impediam a navegabilidade, mas, por outro lado, revelaram o potencial hidrelétrico que se confirmou posteriormente. Hoje, ao longo do rio, há uma sequência de grandes usinas hidrelétricas. 

“Theodoro Sampaio teve contato com os últimos povos originários e é aí que começaram os estudos dele sobre a língua. Ele fez um glossário dos termos e das palavras e pôde estudar aqueles que trabalhavam nas expedições, construindo as embarcações, que eram indígenas ou chamados índios-mansos. Ele, depois, vai escrever uma obra fundamental hoje no estudo da geografia do Brasil e dos povos originários, que é ‘O tupi na geografia nacional’”, explica o pesquisador. 

Em São Paulo, o professor conta que o trabalho do engenheiro ainda foi fundamental para o serviço de esgoto, coleta e tratamento e, principalmente, abastecimento de água. Uma das obras marcantes na cidade de São Paulo é o Hospital das Clínicas, daí o nome da rua onde a unidade hospitalar está construída, em homenagem a Theodoro Sampaio. Já em Salvador, trabalhou na infraestrutura urbana e lá desenvolveu trabalhos relevantes na estruturação da cidade.

Livro ‘Theodoro Sampaio” é premiado com dois prêmios Jabuti

O Prof. Dr. Ademir do Santos conta que a obra “Theodoro Sampaio - Nos sertões e nas cidades” surgiu a partir da dissertação de mestrado que ele defendeu na Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Assis, no curso de História, em 1992. Logo depois, o docente participou de um prêmio nacional, concorrendo com mais 320 projetos, foi selecionado e pode, então, se dedicar exclusivamente à obra do baiano Theodoro Sampaio.

O projeto lançado mais tarde, em 2010, acabou repercutindo muito entre os especialistas e o livro de arte de grande formato, com uma edição relativamente pequena, esgotou-se rapidamente. 

“O momento culminante desse trabalho foi a conquista do Jabuti. Concorremos, em 2011, e ganhamos dois prêmios. Foi o terceiro melhor livro de arquitetura e urbanismo e o melhor livro de design gráfico. Foi o ápice, afinal, o prêmio Jabuti é o maior que temos hoje na literatura do Brasil”, lembra o professor. 

Fornecido para escolas e universidades, hoje o conteúdo é compartilhado com alunos dos cursos de Arquitetura e Urbanismo e dos programas de mestrado e doutorado em Desenvolvimento Regional da Universidade de Taubaté.

“A obra de Theodoro remete ao planejamento territorial, ou seja, à constituição do Brasil como um todo, assim como também ao desenvolvimento regional. Ela é básica para o que nós temos hoje no estado de São Paulo. Não haveria ferrovias, tal como foram constituídas na época da cafeicultura, sem o trabalho dele. Sem falar da infraestrutura urbana, que é fundamental para as atividades industriais, assim como para o próprio desenvolvimento da cidade. Ele também participou ativamente da questão da habitação e da saúde pública. Em São Paulo havia muitos cortiços. Ele atuou na adequação de uma moradia sanitariamente segura”, conta.

Entre os fatos curiosos, descobertos pelo autor durantes pesquisas em centros de documentação histórica em São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador, ele destaca a formação de Theodoro Sampaio em engenharia ainda sob a escravatura e a compra da alforria da mãe e dos primeiros irmãos com o dinheiro vindo do trabalho de reconhecimento do Rio São Francisco. Para o historiador da Unitau, o episódio é extremamente importante do ponto de vista da superação do racismo.

“Sinto-me lisonjeado e agradeço imensamente àqueles que trabalharam comigo. Uma equipe formidável de profissionais. Estou retomando esses estudos agora e há muito gostaria de estar me dedicando também a esse trabalho, dar continuidade e, quem sabe, seja esse um dos desdobramentos dessa repercussão inusitada em função desse episódio.”